terça-feira, 22 de julho de 2014

Quem vem lá
dos naus das sereias,
das louvas das libélulas,
triste fim daquelas pernas
Das mãos sem luvas,
dos braços que vibram
vinte vezes um segundo
Das unhas foi-se escamas,
das brumas foi-se furacão
Mas olha moça, não me chama
dos rastros, dos roubos, satélites
quem vem lá, sem norte, sem roupa
rouba meu coração.
No varal de mais um dia,
suas tranças eu desfaço
as janelas de enguias
no romper da madrugada

Ai, meu deus como eu queria,
ai, meu deus mais essa farda

E ela desatina,
a cada laço cada carta cada cada

E ai, meu deus como eu queria,
nela o romper da madrugada
desatinar a cada dia
essa farda desalmada

Das brumas das crinas dos cacos
doutro dia aquela alma cristalizada
dos douros dos laços dos açucares
que nela habito habitam e parto

terça-feira, 8 de julho de 2014


 

Roses for youSempre que eu recebia a noticia da morte de alguém, nem que em sonho, deixava o meu corpo cair, realizava esse mantra sem som. 
Com o tempo perdemos os cadarços dos sapatos, perdemos a saliva dos lábios, perdemos de ver o pôr-do-sol, borrachas canetas meias vontade. Mas nunca aprendemos a lidar com a perda de alguém que gostamos. 
Primeiro foi o meu avô, era verão (os avós costumam falecer no verão) quando o sal resseca a  pele e os vinhos vencem. Ele se foi, como as uvas deixam de existir; eu tombei. A lembrança mais nítida que tenho daquela época era das tardes de café na casa dele. Pão, manteiga, café com leite (bastante leite), pouco açúcar, para ele adoçante. O chão de madeira gemendo, meu avô na poltrona, minha avó ocupada com a chaleira, meu pai no banquinho do balcão lendo jornal, e eu não lembro onde estava. Minha avó acreditava que quando a faca caía no chão, um homem iria vir visitar, quando um garfo caía no chão, uma mulher. Quando o meu avô faleceu, eu caí – caímos. No carro, meu pai não me deixou colocar os fones de ouvido, dizia: não se escuta música quando alguém morre. E foi assim, um dia sem som, chuvoso e com café na capelinha. Meu avô era diabético, e devido ao fato de só comer doces escondido, todas as lembranças que tenho dele, até os sermões de avô eram doces.
Naquele mesmo verão morreu J.H., plantei uma margarida em cima do seu túmulo para sinalizar que ali jazia um cadáver, as flores combinam com os defuntos. Desde então, pratiquei esse ritual: meu pai enterrava os animais, eu plantava algo que brotasse das tripas deles e que fizesse com que eles revivessem. Meu pai não gostava, pedia para que eu parasse. Mas eu continuava, uma cruz em uma mão uma margarida noutra. Durante a primavera meu cemitério floria, um mar amarelo, uma bomba de amor necrológico. 
Meu pai faleceu no verão, dois anos após o seu pai. Caiu do seu cavalo e manchou as margaridas de vermelho. Ele era um homem forte que gostava de café com leite. Naquela noite ninguém precisou me contar o que aconteceu. Deixei Memórias Póstumas de Brás Cubas no banquinho do hospital e saí correndo para vê-lo, eu já sabia. Os pássaros lá fora sabiam, seu cavalo sabia e até a cafeteira. Tombei, três comprimidos não conseguiram me levantar. Tombei por anos, até as minhas unhas crescerem o suficiente para cravá-las naquele buraco e escalar até a superfície. Quando ficamos muito tempo na escuridão e enxergamos finalmente a luz do dia, os olhos doem - para evitar a dor, eu dormia. 
Se estivesse na quinta série, escreveria um texto comparando as palavras "florescer" e "falecer" e de como meu pai ficou bonito em seu paletó preto, com uma gravata prata e uma flor vermelha. Ele havia florescido e agora brotava.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

O rubro sangue das bochechas dela
Três quartos cruzar das pernas

Boêmia nos quartos meus delas
O rubro sangue negro dos meus cabelos dela

O negro sangra ao lembrar daquela
Minha sua menina nela

Sangue dos gomos do vestido dela
Nas dobras das minhas coxas nos pés 
O rubro sangue rubor na guela 

terça-feira, 13 de maio de 2014

Nesse poema ele ficou um pouco mais,
Floresceu com os maracujás lá fora
E borbulhou junto com o café 

Acariciou os pêssegos das minhas bochechas 
Pluralizou o afeto em meu coração
E pingou três gotas de adoçante 

Nesse poema ele ficou um pouco mais,
Viu os pássaros pousarem nos fios dos meus cabelos
Foto: -moçoE cantou com eles o meu bom dia

Eu sabia que ele iria embora
Porque os bêbados teimavam
E o dia caía
Os três últimos segundos
3
2
1
Ele foi embora
E roubou meu ultimo verso
Mas voltou no outro dia

Sem bater em minha porta 
Pediu mais uma xícara 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

 Tudo nele é vírgula
A lágrima no primeiro adeus
A curva da pupila
A película dos carpetes

Tudo nele é chuva
O suor do primeiro dia
Que em seus olhos resplandece

E se ele soubesse, não viria
E se ele ficasse, iria embora
Porque até o morango da cozinha

É a vírgula que ele chora